França vive eleições legislativas com extrema direita como favorita

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GUILHERME BOTACINI
BOA VISTA, SP (FOLHAPRESS) – “Um grande ponto de interrogação”. Esse tipo de conclusão sem explicações tem sido a tônica de análises na França que tentam elucidar o que pode acontecer com o país caso o Executivo fique dividido entre forças políticas opositoras, como sugerem as pesquisas para as eleições legislativas que começam neste domingo (30), antecipadas pelo presidente Emmanuel Macron.

O país foi da surpresa ao choque muito rapidamente no início do mês, quando a ultradireita venceu a eleição para o Parlamento Europeu. A reação de Macron foi dissolver a Assembleia Nacional e convocar novo pleito em seguida -uma medida constitucional e usada outras vezes na história da Quinta República, iniciada em 1958.

Sondagens indicam que o Reunião Nacional (RN), da ultradireita, sairá vitoriosa. Se será com a maioria absoluta que deixará o partido em posição de indicar o premiê, é mais um ponto de interrogação. O mandato de Macron vai até 2027, e ele já disse que não vai renunciar, qualquer que seja o resultado.

Levantamento do instituto de pesquisa Ipsos desta sexta (28) mostra a RN e aliados com 36% das intenções de voto, contra 29% da Nova Frente Popular, de esquerda, e 20% do bloco governista.

O cenário que se desenha, portanto, é o que ficou conhecido como coabitação, termo que descreve a situação de um Executivo composto pelo presidente de um partido e um primeiro-ministro da oposição.

Grosso modo, o regime político na França pode ser caracterizado como semipresidencialista, um modelo híbrido em que o presidente é o chefe de Estado e se ocupa de questões principalmente externas e de Defesa, e o primeiro-ministro lidera o gabinete de governo.

É o presidente que nomeia o premiê, e a Assembleia Nacional pode derrubar o governo com um voto de desconfiança, razão pela qual a nomeação de um primeiro-ministro pelo presidente depende mais da composição da maioria parlamentar do que da vontade do chefe de Estado.

Coabitações ocorreram três vezes na história do país: de 1986 a 1988, com François Mitterrand, de esquerda, no Palácio do Eliseu (sede da Presidência) e Jacques Chirac em Matignon (sede do governo); de 1993 a 1995, de novo com Mitterrand, mas agora com Édouard Balladur como premiê; e de 1997 a 2002, com Chirac, agora como chefe de Estado, com o socialista Lionel Jospin de primeiro-ministro.

“Não é uma coisa que foi planejada pela Constituição de 1958. Sempre foi pensado que haveria uma mesma cor no Legislativo e no Executivo. Agora, o que é interessante é que a Constituição é muito plástica, no sentido de que ela se adapta a muitas situações”, diz Gaspard Estrada, cientista político da universidade Sciences Po, em Paris.

As experiências anteriores poderiam indicar o que acontecerá após uma vitória da ultradireita? Ou mesmo do bloco unificado de esquerda, que pontua acima do macronismo nas pesquisas?

A resposta é um pouco mais complexa, porque cada coabitação apresentou uma dinâmica política muito particular, com impactos diversos nas decisões do Executivo. E o momento atual sugere mais ineditismo do que repetição de padrões.

Começando pelas forças em disputa. Os três arranjos anteriores opuseram forças tradicionais à esquerda e à direita, sem grandes partidos correndo por fora, algo diferente do cenário polarizado com um governo ao centro e enfraquecido como vemos hoje.

Pode-se apenas especular, portanto, como se comportará cada um dos blocos nesse novo quadro tripartite do Legislativo, em especial sem a noção completa do tamanho deles após o pleito. Pode haver acordos, ou a falta de qualquer consenso pode, na prática, paralisar o país.

“Tudo vai depender dos resultados”, diz Estrada, reforçando que não é possível saber de antemão a forma como a coabitação vai se acomodar. “Mas é difícil ver um cenário em que Macron se recuse a assinar propostas [do governo], por exemplo. Ele sai disso tudo muito fraco”, afirma.

De todo modo, há pistas na história. A primeira coabitação foi marcada por conflitos entre Mitterrand e Chirac e crise institucional, notadamente a rejeição do presidente de esquerda a assinar reformas feitas pelo governo direitista, inclusive privatizações.

Também foi um momento em que Mitterrand e Chirac estiveram na curiosa posição de dividir o Executivo e ao mesmo tempo disputar a Presidência, em uma espécie de pré-campanha alongada. No pleito de 1988, o chefe de Estado se valeu do desgaste do rival à frente do governo para se reeleger.

Transportada para hoje, a estratégia não funcionaria para Macron, que não pode tentar um terceiro mandato -uma reforma em 2002 limitou as tentativas. “Agora é a gestão do legado dele, mas está começando com o pé esquerdo”, diz Estrada. Ministros têm se afastado de Macron desde que ele dissolveu a Assembleia, gesto até agora pouco compreendido mesmo por aliados do presidente.

Já na segunda coabitação, de 1993 a 1995, o clima era diferente. Com saúde debilitada, era evidente que Mitterrand não disputaria novamente a Presidência (ele morreu em janeiro de 1996). Seu premiê durante o período foi Édouard Balladur, que brigou mais com Chirac, seu companheiro de coalizão, do que com o socialista, com o qual buscou consensos.

A disputa foi tamanha que Balladur e Chirac concorreram em chapas separadas do mesmo partido no primeiro turno do pleito de 1995, vencido pelo socialista Lionel Jospin. Na segunda volta, Chirac se estabeleceu como candidato da direita e foi eleito.

A terceira coabitação foi a única fruto de uma dissolução do Parlamento, como no cenário atual, e não de uma eleição legislativa prevista. Enfim chefe de Estado, Chirac se antecipou ao pleito que seria em 1998 e convocou o escrutínio em 1997.

Mas o tiro saiu pela culatra. A coalizão de esquerda venceu, e Jospin foi escolhido premiê. Foi a mais longa coabitação, a primeira com a direita na Presidência, e com um relativo enfraquecimento dos poderes presidenciais como resultado.

Reflexo disso foi a limitação de dois mandatos consecutivos para chefe de Estado e redução de 7 para 5 anos para a representação presidencial, o que atingiu justamente Chirac, reeleito em 2002 após disputar um segundo turno contra Jean-Marie Le Pen, pai de Marine Le Pen, a líder da ultradireita hoje.
Desde aquele ano, o pleito presidencial e o legislativo foram realinhados com a reforma eleitoral: ambos a cada cinco anos, primeiro para o Executivo, meses depois para o Parlamento. A previsibilidade foi quebrada com a dissolução feita por Macron.

COMO FUNCIONA A DISPUTA PARA A ASSEMBLEIA
O pleito legislativo antecipado por Emmanuel Macron tem seu primeiro turno neste domingo (30), e o segundo turno ocorrerá no próximo domingo (7), nos distritos onde for necessário -em geral, na maioria deles.
O voto é direto para os candidatos a deputado da Assembleia Nacional em cada um dos 577 distritos eleitorais do país. Cada distrito elege um representante, cujo nome é indicado por partidos e coalizões em cada localidade.

O postulante é eleito em primeiro turno apenas se obtiver mais de 50% dos votos válidos, contanto que isso represente no mínimo 25% dos inscritos para votar. Geralmente, esses requisitos não são alcançados, o que força um segundo turno com os concorrentes que tiveram ao menos 12,5% dos votos no primeiro turno (ou com os dois que tiveram mais votos, caso ninguém atinja esse percentual). Quem for mais votado é eleito.

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