Homeopatia resiste no SUS, mesmo sob acusações de ineficácia
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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Shyrley Gândara, 55, diz ter melhorado dos sintomas de ansiedade após ter sido tratada com carcinosinum, remédio homeopático cuja preparação é feita a partir de células cancerosas.
Ela rejeita medicamentos tradicionais e, ao em vez disso, trata problemas de saúde com a homeopatia há sete anos, desde alergias até problemas intestinais e mesmo Covid. “Eu uso para testar. Em casos mais extremos, o médico prescreve a medicação e me pede para dar um retorno em três ou quatro dias, para saber como eu reagi a ela.”
Para Shyrley, as substâncias homeopáticas- que podem ser feitas a partir de origem vegetal, mineral e de produtos patológicos, e compradas em farmácias específicas para isso- são uma certeza de que ela está ingerindo algo que não vai atacar nenhuma parte do seu corpo. “Sempre tive ojeriza a medicações comuns, a gente usa para resolver uma coisa e estraga outra”, diz.
Embora tenha a eficácia questionada por especialistas, que argumentam que seus efeitos não passam de placebo, a homeopatia ainda é querida por pacientes, defendida pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) e, assim, resiste no SUS (Sistema Único de Saúde).
Criado no século 18 pelo médico alemão Samuel Hahnemann, o tratamento baseia-se no princípio da similaridade: substâncias que causam determinados sintomas em indivíduos saudáveis podem curar sintomas semelhantes em pessoas doentes quando diluídas em altas doses.
Hoje, o serviço é ofertado na atenção primária, média e de alta complexidade, como parte das Pics (Práticas Integrativas e Complementares em Saúde). Somente em 2023, houve 32.561 atendimentos relacionados à prática no país, de acordo com o Ministério da Saúde. Em São Paulo, a homeopatia está disponível em 12 equipamentos da rede municipal.
Apesar do alto número de atendimentos, o Ministério da Saúde afirma que não há orçamento federal específico para as Pics. A falta de dados específicos mostra, segundo a microbiologista Natália Pasternak, que o Brasil não sabe quanto gasta com as práticas.
De acordo com Pasternak, as Pics “funcionam à parte do sistema”, por não terem sido incorporadas da mesma maneira que os tratamentos convencionais -que exigem avaliação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias)- , em 2006.
“Acaba fazendo mal não só para o paciente, mas para o sistema como um todo. Para o paciente, porque pode levar a negligenciar tratamentos que podem salvar sua vida e, para o sistema, porque você está desperdiçando recursos limitados para promover tratamentos que não funcionam”, afirma.
Por outro lado, Rosylane Rocha, segunda vice-presidente do CFM (Conselho Federal de Medicina), afirma que prática não só é válida, como não deveria ser considerada apenas como complementar pelo Ministério da Saúde.
“É algo que a gente não compreende. A homeopatia é consagrada, praticada por médicos formados, é uma especialidade como outra qualquer. O paciente, na relação com o médico, vai ter oportunidade de receber o tratamento. Ela não é terapia complementar”, diz ela.
POR QUE A HOMEOPATIA RESISTE?
A prática chegou no Brasil por volta de 1840 e se enraizou nos círculos médicos desde muito cedo, diz Lenin Bicudo, doutor em sociologia pela USP (Universidade de São Paulo).
“Houve uma série de alianças bem-sucedidas que os homeopatas fizeram que ajudaram a enraizá-la, uma delas no âmbito de médicos das Forças Armadas e uma com o espiritismo, conexão chancelada pela autoridade máxima do espiritismo, o Allan Kardec”, afirma Bicudo, que estudou a persistência da homeopatia no doutorado.
O motivo da popularidade pode ter a ver com a uma falta de acesso a serviços de saúde de qualidade, diz Pasternak. O SUS só foi implantado em 1988, com a Constituição Federal.
Para seus pacientes, a homeopatia conta com um diferencial em relação às demais especialidades médicas. “É um tratamento bastante acolhedor, a gente se sente visto como indivíduo que precisa de atenção, que está ali porque está sofrendo de alguma forma. O médico nos vê não como um sintoma, mas como um indivíduo”, diz Shyrley.
O QUE DIZEM OS ESTUDOS
Entre 1997 e 2017, meta-análises publicadas nas revistas Systematic Review e Lancet agregaram resultados de estudos independentes e apontaram que não há um efeito da homeopatia sobre doenças específicas.
Uma revisão sistemática de 2023, que conta com os resultados mais favoráveis à prática, diz que “não houve suporte para a hipótese alternativa de nenhuma diferença de resultado entre a homeopatia e o placebo”.
Uma das críticas de médicos homeopatas a ensaios clínicos reside no fato de que, segundo eles, o tratamento adequado deve priorizar a individualização do medicamento único de acordo com os sinais e sintomas de cada paciente e, nos estudos, os princípios são desrespeitados, ou seja, o mesmo medicamento é administrado para diversos indivíduos com a mesma doença.
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