Médicos Sem Fronteiras relata cenário apocalíptico em Gaza e aponta genocídio

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(FOLHAPRESS) – Os repetidos ataques de Israel contra civis palestinos, o desmantelamento do sistema de saúde e de outras infraestruturas essenciais, o cerco quase total imposto por militares à população e as barreiras à assistência humanitária estão aniquilando as condições de vida na Faixa de Gaza.

 

Configuram, segundo a conclusão de um relatório divulgado nesta quinta-feira (19) pela Médicos Sem Fronteiras (MSF), um processo de “limpeza étnica” e genocídio. O posicionamento, com tom duro, é incomum devido ao princípio de neutralidade da organização, mesmo em situações de conflito armado.

“As pessoas em Gaza estão lutando para sobreviver sob condições apocalípticas, mas nenhum lugar é seguro, ninguém é poupado e não existe saída deste território destroçado”, afirma Christopher Lockyear, secretário-geral da MSF, que esteve no território palestino no começo deste ano.

Desde o começo da guerra entre Israel e Hamas, em outubro do ano passado, mais de 45 mil pessoas foram mortas em Gaza, segundo o Ministério da Saúde local, controlado pelo grupo terrorista. O conflito começou com o mega-ataque feito por integrantes da facção palestina em território israelense.

A situação, contudo, é ainda mais grave do que as estatísticas apontam, afirma a MSF. A organização enfatiza que o número de mortes é provavelmente muito maior devido aos impactos de um sistema de saúde colapsado, surtos de doenças e acesso “severamente limitado” a comida, água e abrigo.

A violência respinga inclusive nos trabalhadores humanitários. De outubro de 2023 ao mesmo mês deste ano, as equipes da MSF relatam terem sofrido 41 ataques e incidentes violentos, incluindo ofensivas aéreas, bombardeios e incursões em instalações de saúde; disparos contra abrigos e comboios; além de detenções de colaboradores por forças israelenses, descritas pela organização como arbitrárias.

“Profissionais médicos e pacientes da MSF foram forçados a esvaziar hospitais e instalações de saúde em 17 ocasiões, tendo que muitas vezes sair correndo para salvar suas vidas”, diz trecho do documento.

O Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários diz que ao menos 330 trabalhadores humanitários foram mortos em Gaza desde o início da guerra. Destes, oito eram colaboradores da MSF.

O cenário descrito no relatório é de catástrofe. O documento diz que o sistema de saúde está em ruínas e que menos da metade dos 36 hospitais de Gaza está funcionando. Civis estão sofrendo por ferimentos decorrentes do conflito, mas também por doenças crônicas. Crianças não estão recebendo vacinas cruciais, tornando-as vulneráveis a doenças como poliomielite e sarampo.

“Como resultado, equipes da MSF estão tratando um número elevado de pessoas com problemas de saúde como doenças de pele, infecções respiratórias e diarreia -e a expectativa é de que a incidência aumente com a queda das temperaturas durante o inverno [no hemisfério Norte]”, escreve a organização.

Ainda segundo o levantamento, instalações apoiadas pela MSF fizeram ao menos 27,5 mil consultas relacionadas à violência e 7.500 intervenções cirúrgicas no período de um ano. A situação é pior no norte no território palestino, que se transformou em um local de “terra arrasada”, segundo o relatório.

Lockyear, o secretário-geral da MSF, diz que há “sinais claros de limpeza étnica à medida que palestinos são forçados a se deslocar, encurralados e bombardeados”. “O que nossas equipes médicas têm testemunhado ao longo do conflito é consistente com as descrições feitas por um número crescente de especialistas legais e por organizações, concluindo que está ocorrendo um genocídio em Gaza.”

“Embora não tenhamos autoridade legal para estabelecer intencionalidade, os sinais de limpeza étnica e a devastação em curso -incluindo assassinatos em massa, ferimentos severos e fortes danos à saúde mental, deslocamentos forçados e condições de vida impossíveis para palestinos sob cerco e bombardeios- são inegáveis.”

Conclusão semelhante consta em relatório da Anistia Internacional divulgado no começo do mês em que também acusa Israel de cometer genocídio contra palestinos. Foi a primeira vez que a organização faz uma acusação do tipo durante um conflito armado ativo.

A Convenção de Genocídio de 1948, promulgada após o assassinato em massa de judeus no Holocausto nazista, define genocídio como “atos cometidos com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Israel nega as acusações de que comete o crime.

As forças israelenses vêm sendo criticadas ao longo da guerra devido à proporcionalidade de suas ações. Tel Aviv, por sua vez, diz que mira grupos terroristas e que toma ações para minimizar os danos aos civis.

Em janeiro, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) determinou que Israel tome medidas para evitar atos de genocídio na guerra contra o Hamas, apesar de não ter decidido se Tel Aviv efetivamente cometeu esse crime -um julgamento que pode se arrastar por anos.

Já o Tribunal Penal Internacional (TPI) -que julga indivíduos, enquanto a CIJ julga Estados- emitiu no mês passado mandados de prisão contra o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, e seu ex-ministro da Defesa Yoav Gallant por supostos crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

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