Como os ataques de 11 de setembro mudaram o mundo

Guerras em dois países, o surgimento de diversos grupos terroristas, mudanças na lei de vigilância, a criação de uma prisão americana em território cubano e uma nova moral dos americanos são legados dos atentados do dia 11 de setembro de 2001. A segunda torre do World Trade Center é atingida por avião e explode em chamas durante atentado do 11 de Setembro em Nova York
Chao Soi Cheong/AP/Arquivo
No dia 30 de agosto de 2021, o general americano Kenneth McKenzie fez um anúncio aos repórteres que cobrem o governo dos Estados Unidos: “Estou aqui para anunciar o fim da nossa retirada do Afeganistão e o fim da missão militar para retirar cidadãos norte-americanos. Isso significa o fim do componente militar da retirada e também o fim da missão que começou no Afeganistão logo após o 11 de setembro de 2001”.
A declaração deixa claro como, passados 20 anos dos atentados cometidos pela Al-Qaeda em solo americano, o 11 de setembro de 2001 ainda tem consequências na geopolítica mundial.
Os EUA e o Oriente Médio foram os locais que mais mudaram após os atentados que ocorreram há 20 anos. Além das guerras, houve mudanças de legislação e mesmo da moral dos povos —há acadêmicos que dizem que um aumento da xenofobia entre os americanos tem origem nos atentados.
Veja abaixo algumas das formas pelas quais o 11 de setembro mudou o mundo:
A guerra ao terror
Os EUA começaram a reagir para dar uma resposta militar três dias depois do 11 de setembro. George W. Bush, o presidente, conseguiu uma autorização do Congresso dos Estados Unidos para atacar a Al-Qaeda, o Talibã e “forças associadas”.
Em 18 de setembro de 2001, estava iniciada, oficialmente, a “guerra ao terror” —portanto, o inimigo não era um Estado ou um grupo específico, mas qualquer um que, na concepção dos americanos, adotasse táticas terroristas.
Osama Bin Laden em frame de vídeo divulgado em maio de 2015
AFP
Com essa aprovação do Congresso, o governo dos EUA ganhou mais autonomia para atacar sem autorização quando considerasse que isso fosse necessário —a expressão “forças associadas”, que está no texto legislativo, é subjetiva o suficiente para que os militares ataquem quem considerem perigosos.
As guerras do Afeganistão e do Iraque foram travadas nesse contexto (veja abaixo).
Em 2013, cerca de dez anos depois dos ataques do 11 de setembro de 2001, o presidente Barack Obama afirmou que os militares não iriam mais lutar contra “o terror”, mas sim, contra organizações específicas.
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No entanto, o mecanismo legal ainda está em vigência —o presidente Donald Trump afirmou que tinha autorização para atacar e matar o general iraniano Qassem Suleimani, em 2020, em solo iraquiano, porque o Congresso havia autorizado a guerra ao terror no Iraque.
Guerra no Afeganistão
Em 2001, quando a Al-Qaeda atacou os EUA, a organização já era ligada ao grupo que dominava o Afeganistão, o Talibã.
A organização terrorista tinha feito um juramento de lealdade ao Talibã. Osama Bin Laden, o líder da Al-Qaeda, e Mullah Omar, o fundador do Talibã, tinham laços familiares.
Como o primeiro objetivo da guerra ao terror era acabar com a Al-Qaeda, o Afeganistão foi o primeiro país que os EUA e seus aliados ocuparam.
A guerra no Afeganistão foi a missão mais longa na história dos EUA, com pouco menos de 20 anos. Ao longo desse tempo, entre os americanos morreram:
Cerca de 2.500 soldados do exército americano;
Quase 4.000 terceirizados;
Mais de mil militares aliados da Otan.
Entre os afegãos as baixas foram mais significativas:
Cerca de 66 mil militares ou policiais;
Cerca de 47 mil civis;
Entre os talibãs e seus aliados, foram mais de 51 mil mortes.
Ainda houve as seguintes perdas:
444 mortes de pessoas que trabalhavam em organizações humanitárias;
72 jornalistas.
O propósito inicial da guerra era derrotar a Al-Qaeda e o Talibã, mas os EUA tiveram dificuldade para sair. O sucesso de George W. Bush, o presidente Obama anunciou que iria reduzir a presença militar no país. O presidente Trump fez um acordo com o Talibã que previa a retirada, que de fato foi cumprida pelo presidente Joe Biden.
Guerra no Iraque
Em março de 2003, menos de dois anos depois dos ataques do 11 de setembro, forças militares dos EUA invadiram o Iraque com o propósito de eliminar armas de destruição em massa que o governo iraquiano supostamente tinha. Era uma ilusão, os iraquianos não tinham essas armas.
“A guerra do Iraque foi decorrência da percepção, por parte dos EUA, de uma ameaça generalizada”, afirma Samuel Feldberg, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP).
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Formalmente, a guerra terminou em maio de 2003. “Conflitos externos sempre têm influência no processo eleitoral dos Estados Unidos, e o presidente George Bush, inicialmente, se beneficiou disso”, diz Feldberg.
As perdas foram ainda mais significativas do que no Afeganistão —não se sabe ao certo o número de civis que morreram no Iraque. Estima-se que foi um número entre 184 mil e 207 mil.
Entre os americanos, foram mais de 4.500 militares e mais de 3.500 terceirizados. Foi em 2003, no Iraque, que morreu o diplomata brasileiro Sergio Vieira de Mello.
No fim daquele ano, o antigo ditador do país, Saddam Hussein, foi capturado. Em 2006, ele foi julgado e enforcado.
Saddam Hussein quando foi preso
GloboNews
Em 2004, ficou claro que os americanos haviam cometido um grande erro a respeito de armas de destruição em massa, a guerra perdeu apoio.
Nessa mesma época, começa uma insurgência, com diversas milícias tentando tomar o poder. Uma delas era a Al-Qaeda no Iraque, que era comandada por Abu Musab al-Zarqawi (conheça mais sobre ele abaixo).
A guerra entre as diversas facções iraquianas xiitas e sunitas teve seu auge em 2006. Os EUA resolveram enviar mais soldados para lá em 2007. No ano seguinte, Barack Obama foi eleito e, entre suas promessas de campanha, estava a de sair do Iraque. Isso aconteceu em dezembro de 2011.
Estado Islâmico
Abu Musab al-Zarqawi, um sunita da Jordânia, havia lutado no Afeganistão contra a União Soviética. Quando os EUA invadiram o Afeganistão, em 2001, al-Zarqawi foi para o norte do Iraque. Durante a disputa entre facções, ele acabou virando o líder de uma milícia chamada Al-Qaeda no Iraque. Al-Zarqawi morreu em 2006, mas o grupo continuou. A milícia acabou mudando de nome para Estado Islâmico no Iraque.
Combatente do Estado Islâmico exibe arma e bandeira do grupo em rua de Mossul, no Iraque, em foto de 23 de junho de 2014
Reuters/Stringer
O destino desse grupo mudou com a guerra na Síria, o país ao norte do Iraque. O líder do Estado Islâmico no Iraque, Abu Bakr al-Baghdadi, envia seus combatentes para a Síria. Jihadistas do Iraque começam a se unir ao grupo, que passa a se chamar Estado Islâmico no Iraque e Síria (na sigla em inglês, Isis; no Brasil, conhecido só como Estado Islâmico).
“O Estado Islâmico é um filhote da Al-Qaeda. Quando o Talibã foi derrotado no Afeganistão, os grupos fundamentalistas migraram e ocuparam o vácuo produzido pelos EUA com a derrubada de Saddam Hussein no Iraque e com a primavera na Síria. Esses elementos, na prática, se transformaram no Estado Islâmico”, diz Feldberg.
Em 2014, o Estado Islâmico consegue dominar o norte do Iraque e uma parte da Síria. Forças ocidentais começam então a atacar o Estado Islâmico, que começa a perder seu território.
Mas desde então o grupo faz ataques terroristas para chamar a atenção —como o que aconteceu em 2015, em Paris, quando mataram 130 pessoas na França.
Recentemente, o Estado Islâmico no Afeganistão matou mais de 180 pessoas no meio da retirada de pessoas do país após a retomada de poder pelo Talibã.
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O Oriente Médio 20 anos depois
“Não acho que seja possível repetir uma ação coordenada como a do 11 de setembro. Os atentados dos últimos anos são difusos, geralmente reivindicados por algum grupo com relação com o Estado Islâmico, mas são como cogumelos que pipocam e somem”, afirma a professora Arlene Clemesha, professora de história árabe da USP.
O resultado da ação dos EUA no Oriente Médio após o 11 de setembro, para ela, foi “abrir as portas para o Irã em sua arena doméstica como uma força militar e paramilitar muito grande”, afirma ela. Segundo a professora, isso se deve à derrocada do Iraque —antes da queda do regime de Saddam Hussein, o Iraque ainda exercia um papel de moderação ao Irã em seu programa para influenciar milícias na região.
Apontar certas populações como inimigas —ou imigrantes— e ampliar os métodos de vigilância, segundo Clemesha, é uma herança da resposta ao 11 de setembro: “A guerra ao terror criou um mundo com o qual ainda temos que lidar”.
As mudanças no governo dos EUA
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No território americano também houve mudanças depois do 11 de setembro. Após os atentados, foi criado um Departamento de Segurança Interna —os agentes desse órgão foram empregados para conter alguns protestos contra o presidente Donald Trump, por exemplo.
O governo dos EUA considera que a autorização que o Congresso deu ao presidente após os ataques de 11 de setembro são um reforço legal para o uso de escutas pela Agência de Segurança Nacional (NSA). Em 2013, uma série de reportagens na mídia internacional mostrou que a NSA coletou dados de milhões de usuários de telefone celular e e-mails.
Mesmo antes do 11 de setembro, oficiais da CIA usavam tortura para obter declarações de pessoas acusadas de terrorismo —a agência torturou um homem acusado de participar do atentado a um navio dos EUA, o U.S.S Cole, no Iêmen, no ano 2000. Novos casos surgiram desde então. Durante a ocupação no Iraque, também houve tortura na prisão de Abu Ghraib.
Os EUA são donos de uma região na baía de Guantánamo, na ilha de Cuba. A partir de 2002, os americanos levaram para lá suspeitos de terrorismo —a ideia é que se trata de uma região fora da jurisdição dos EUA. Também há denúncias de tortura em Guantánamo.
Mudanças no povo dos EUA
O povo americano também mudou após o 11 de setembro, afirma Jeremi Suri, professor de história na Universidade do Texas. “Os americanos têm mais medo de pessoas que vieram de outros países, pois essa é a imagem dos terroristas. A nossa sociedade também ficou mais desconfiada do governo —fomos a uma guerra porque havia armas de destruição em massa e, quando soubemos que não havia nada disso, pensamos sobre por que nós deveríamos confiar em autoridades”, ele diz.
O professor aponta que a resposta aos ataques do governo dos EUA era, em grande medida, unilateral, como se os americanos dissessem “nós temos que resolver o problema no Afeganistão”. E isso, afirma ele, teve desdobramentos na população também: as pessoas passaram a achar que elas mesmas devem tomar ações com suas próprias armas, por exemplo.
– ‘Marco Zero’ do 11 de Setembro antes, durante e depois dos ataques
Juan Silva/G1
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