Crianças de hoje enfrentarão extremos climáticos sem precedentes, alerta novo estudo
Em um cenário de aquecimento mais elevado, de 3,5°C até 2100, a quantidade de afetados chega a 92% dos bebês de 2020 [[{“value”:”
(FOLHAPRESS) – As crianças da atualidade irão enfrentar, ao longo da vida, mais extremos climáticos do que qualquer geração do passado. Na atual trajetória de aquecimento do planeta, de cerca de 2,7°C até o fim do século, cerca de 83% dos nascidos em 2020 terão exposição sem precedentes a ondas de calor ao longo da vida.
Em um cenário de aquecimento mais elevado, de 3,5°C até 2100, a quantidade de afetados chega a 92% dos bebês de 2020.
A conclusão é de um estudo publicado nesta quarta-feira (7) na revista Nature.
Embora o aumento da exposição da população global a eventos climáticos extremos já fosse evidente para os cientistas, a pesquisa inova ao calcular quantas pessoas, nascidas em diferentes gerações (de 1960 a 2020) e com distintos níveis de vulnerabilidade socioeconômica, estarão suscetíveis a esses fenômenos sob diferentes cenários de aquecimento.
O grupo combinou modelagens climáticas e dados demográficos, entre outras informações, para calcular a chamada “exposição vitalícia sem precedentes” a eventos climáticos extremos.
Foram classificadas como sem precedentes situações que tivessem chance inferior a 1 em 10 mil de acontecer em um mundo sem mudanças climáticas causadas pelas atividades humanas.
“Esse é um limite rigoroso, que identifica populações enfrentando extremos climáticos muito além do que seria esperado sem as mudanças climáticas causadas pelo ser humano”, explica Luke Grant, autor principal do artigo e cientista climático da Universidade Livre de Bruxelas (VUB).
Quanto mais jovens, maiores são os riscos de exposição a fenômenos sem precedentes, havendo um efeito mais acentuado para os nascidos após 1980.
As ondas de calor serão o extremo climático com mais impactos, mas os danos vão muito além. A análise incluiu também outros cinco extremos climáticos: quebras de safra, incêndios florestais, secas, enchentes fluviais e ciclones tropicais.
“O mesmo padrão [das ondas de calor] se aplica a outros extremos climáticos analisados, embora com proporções um pouco menores. Ainda assim, observam-se as mesmas diferenças geracionais injustas na exposição sem precedentes”, detalhou Grant.
Diante desse cenário, o trabalho enfatiza a necessidade de reduzir imediatamente a emissão de gases causadores de efeito estufa e, com isso, limitar o aumento global de temperaturas.
Segundo o cálculo dos especialistas, se a humanidade conseguir cumprir a meta principal do Acordo de Paris, limitando o aquecimento global a 1,5°C até o fim do século, cerca de 52% das pessoas nascidas em 2020 terão uma exposição sem precedentes a ondas de calor.
Com isso, seria possível proteger cerca de 49 milhões de crianças nascidas em 2020 de uma exposição vitalícia sem precedentes ao calor extremo.
Se fossem consideradas todos os jovens que hoje têm de 5 a 18 anos, aproximadamente 1,5 bilhão seriam afetados em um cenário de aquecimento de 3,5°C. Atingir a meta do Acordo de Paris significaria proteger 654 milhões deles.
“Com as emissões globais ainda em alta e o planeta a apenas 0,2°C do limite de 1,5°C, os líderes mundiais precisam agir agora para reduzir as emissões e aliviar o fardo climático sobre os jovens de hoje”, disse Wim Thiery, professor de ciência do clima na VUB e autor sênior do estudo.
O trabalho destaca que há importantes diferenças entre as regiões do planeta, com as crianças dos países tropicais sendo as mais afetadas, inclusive em um cenário de aquecimento de apenas 1,5°C.
Em todo o mundo, grupos mais vulneráveis em termos econômicos e sociais são também os que têm maior probabilidade de enfrentar altos níveis de exposição.
Por outro lado, esses jovens contam com menos recursos para lidar com as consequências dos choques climáticos. Além de viverem em casas mais vulneráveis a enchentes, ciclones e outros fenômenos extremos, também estão muito mais expostos a doenças transmitidas por vetores e pela água, à fome e à desnutrição.
“Justamente as crianças mais vulneráveis são as que enfrentam a maior escalada dos extremos climáticos. Com poucos recursos e poucas opções de adaptação, elas correm riscos desproporcionais”, completou Thiery.
Em um artigo de comentário independente sobre o trabalho, também publicado na revista Nature, Rosanna Gualdi e Raya Muttarak, da Universidade de Bolonha, na Itália, destacaram a assimetria nos impactos.
“Pode levar décadas até que o grupo menos vulnerável alcance os níveis de exposição que as gerações anteriores dos grupos mais vulneráveis já enfrentavam. Por exemplo, 53% das pessoas altamente vulneráveis nascidas em 1975 serão expostas a ondas de calor, enquanto que, para o grupo menos vulnerável, um nível de exposição similar (52%) só ocorrerá com pessoas nascidas em 1990”, indicaram.
“Essas diferenças ocorrem principalmente porque pessoas com menor status socioeconômico tendem a viver em áreas com piores condições ambientais e habitação inadequada, o que aumenta sua exposição a riscos climáticos. Além disso, elas dispõem de menos recursos e menor capacidade de adaptação às mudanças do clima.”
O estudo teve uma parceria com a organização não governamental Save the Children, que lançou também um novo relatório sobre os efeitos do aquecimento global na vida dos jovens.
Embora a análise tenha sido global, os autores observam que o estudo teve algumas limitações, não considerando, por exemplo, variáveis como deslocamentos internos da população ou tendências de fertilidade e de mortalidade, que sofrem interferência também das questões climáticas.
O projeto Excluídos do Clima é uma parceria com a Fundação Ford.
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