Lula tem piores resultados no Congresso e vislumbra campo minado até 2026
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BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A primeira metade do terceiro mandato de Lula (PT) foi marcada por um desempenho ruim no Congresso Nacional, reflexo de um fenômeno político observado há cerca de dez anos e que projeta mais dificuldade para a reta final da gestão.
O desempenho das medidas provisórias em 2023 e 2024 -a principal ferramenta legislativa do Executivo- foi o pior da história. Os vetos presidenciais, outro grande instrumento do governo na área, também tiveram marca histórica negativa.
Um total de 32 vetos feitos por Lula a projetos aprovados pelo Legislativo foram derrubados total ou parcialmente por deputados e senadores, que têm a palavra final (o presidente tem o poder de vetar projetos do Congresso, que por maioria pode derrubar esses vetos). O número é similar ao de igual período da gestão de Jair Bolsonaro, do PL (31).
Das 133 medidas provisórias que Lula editou em 2023 e 2024, só 20 foram aprovadas, com modificações, cerca de um terço do observado no mesmo período sob Bolsonaro, que até então detinha o pior desempenho -58 MPs aprovadas de um total de 156.
A maior parte, 76, caducou sem ter sido votada.
As MPs têm eficácia de lei desde a edição, mas precisam ser corroboradas pelo Congresso em um prazo de até 120 dias, caso contrário deixam de valer (antes de setembro de 2001 elas podiam ser reeditadas indefinidamente, sem necessidade de análise do Congresso).
Contribuíram para esse resultado a disputa de poder entre Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) sobre a tramitação das MPs, o que travou boa parte delas, e a relativa pequena presença da esquerda no Congresso -com o controle de apenas cerca de um quarto das 594 cadeiras.
Mas esses dois fatores não são os únicos.
Dilma Rousseff 2 (2015-2016), Michel Temer (2016-2018), Bolsonaro (2019-2022) e Lula 3 (2023 em diante) protagonizaram governos que tiveram na maior parte do tempo uma difícil relação com o Congresso.
O cenário diferiu da maior parte dos governos anteriores, que também enfrentaram momentos de turbulência com o Congresso, mas que na média conseguiram manter uma relação hegemônica.
Os tempos dos costumeiros “tratoraços governistas” no Congresso começaram a ruir em 2015, período que abrigou dois grandes eventos que mudariam o curso da história recente -o começo da escalada em valores e em impositividade das emendas parlamentares e a vitória de Eduardo Cunha (MDB-RJ) sobre o governista Arlindo Chinaglia (PT-SP) na eleição para a presidência da Câmara.
As emendas são hoje o principal instrumento de política dos congressistas, que consomem boa parte do dia a dia e do mandato gerenciando verbas para obras e investimentos em seus redutos eleitorais e costurando blocos locais políticos com governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores.
Só em 2024, por exemplo, cada deputado teve ao menos R$ 38 milhões em emendas. Cada senador, ao menos R$ 70 milhões. Líderes de bancadas e parlamentares mais influentes direcionam bem mais que isso.
De 2015 até agora, as emendas tomaram uma direção ascendente que as levou a superar a casa dos R$ 50 bilhões. Além do aumento no volume, o Congresso aprovou a execução obrigatória para a maior parte da bolada.
Isso tirou da mão dos governos o principal instrumento que era historicamente usado para formar maiorias e cobrar fidelidade no Congresso, o conhecido “toma lá, dá cá”: o governo só liberava emendas de parlamentares aliados e fiéis, e parlamentares condicionavam o apoio e o voto a essa liberação.
O empoderamento do Congresso coincidiu também com a falta de fôlego da esquerda nas urnas e, consequentemente, a majoritária presença da centro-direita e da direita na Câmara e Senado.
Lula venceu Bolsonaro por estreita margem de votos em 2022, mas os partidos de centro-direita e de direita conquistaram a maior parte das cadeiras do Congresso.
Devido a isso, Lula distribuiu nove ministérios a União Brasil, PSD e MDB no início do governo, ampliando depois o leque para PP e Republicanos, com uma pasta cada um.
Apesar de no papel esses partidos somarem larga maioria de deputados e senadores, na prática há muitos oposicionistas nessas legendas e também governistas instáveis, ora apoiando projetos do Palácio do Planalto, ora se colocando contra.
Pesou ainda contra Lula o fato de o PT comandar formalmente a articulação política, mas com um ministro, Alexandre Padilha, que não encontra respaldo entre os principais líderes do centrão.
Em dezembro de 2023, por exemplo, o Congresso derrubou total ou parcialmente, em uma tacada, 13 vetos feitos por Lula.
Em maio de 2024, o Palácio do Planalto amargou outro pacote de derrotas, em votações que tiveram ampla dissidência entre partidos aliados.
No ponto mais chamativo, os parlamentares derrubaram o veto de Lula a trecho da lei que acaba com as saídas temporárias de presos, com o apoio de 314 deputados federais e 52 senadores.
Paulo Niccoli Ramirez, cientista político da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo) e da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), cita o crescimento do antipetismo no Congresso e diz que a proximidade das eleições deve levar os partidos mais alinhados a Bolsonaro a intensificar a oposição, elevando a dependência do centrão.
“Isso acaba descaracterizando o perfil do governo Lula, que nos dois primeiros mandatos entregou programas sociais de grande impacto. Antes havia iniciativas fortes, como as voltadas à habitação, que não estão se repetindo agora.”
Felippe Angeli, coordenador de advocacy do Justa (centro de pesquisas sobre Justiça, Legislativo e Executivo), ressalta que, em muitos casos, o orçamento destinado às emendas impositivas supera o de determinadas pastas ministeriais, o que fortalece ainda mais a influência dos parlamentares.
“No passado, a coordenação política do governo era baseada ocupação de ministérios e em emendas distribuídas pelo governo após votações importantes. Esses dois elementos garantem ao Executivo um certo poder de negociação. Hoje, com as emendas impositivas, esse equilíbrio mudou, e o poder ficou mais concentrado no Congresso.”
A análise numérica das votações de medidas provisórias e vetos é um importante indicativo do desempenho de um governo no Congresso, mas há outros fatores menos objetivos a serem levados em conta. Entre eles, o grau de mudanças ocorridas nas medidas propostas pelo governo, eventuais acordos e mudanças de cenário político e a inclusão de temas de interesse do Planalto em outras propostas.
O governo Lula, por exemplo, tem comemorado a aprovação depois de décadas de discussão da reforma tributária, embora a articulação para isso tenha envolvido uma série de políticos do Executivo, Legislativo e estados.
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