Mais pais e mães buscam reconhecimento legal de laços com enteados
De acordo com dados disponíveis pelo Datajud (Base Nacional do Poder Judiciário), de 2022 para 2023,… [[{“value”:”
(FOLHAPRESS) – Quando o gerente da área de tecnologia Felipe Rowan, 39, conheceu Ana Paula, 38, ela estava com a filha Mariana de nove meses. Logo no primeiro contato, a menina já foi para o seu colo. Naquele momento, ele lembra, tornou-se pai da criança.
A relação dele com a menina, fruto de um relacionamento anterior de Ana, foi reconhecida oficialmente algum tempo depois por meio da paternidade socioafetiva, processo que vem se expandido no país.
De acordo com dados disponíveis pelo Datajud (Base Nacional do Poder Judiciário), de 2022 para 2023, o total de novos casos subiu de 4.320 para 5.256 –22% a mais. Neste ano, até abril, foram registradas 1.953 novas ações.
Felipe lembra que desde o começo da relação sentiu que tinha encontrado a mulher da sua vida e também a filha –ele sempre quis ser pai, mas um dos motivos para o término do primeiro casamento foi o diagnóstico que recebeu de que não poderia se tornar um.
Porém, três meses após Felipe e Ana engatarem o relacionamento, ela engravidou. “Para quem achou que não teria filhos, hoje tenho uma família linda e de três mulheres”, diz ele, que vive em São José dos Campos, no interior paulista.
A decisão de incluir seu nome no registro da criança, que ele já considerava filha e assumiu despesas, veio após alguns episódios de constrangimento, como impedimento de buscar remédio que exigia autorização dos pais ou de entrar no hospital como acompanhante.
O pai biológico é presente na vida de Mariana, mas aceitou que Felipe também fosse reconhecido por meio do processo da paternidade socioafetiva. Hoje, Mariana tem o sobrenome dos pais biológicos e de Felipe.
Ao todo, o processo durou um ano, foi finalizado em agosto de 2023 e Felipe precisou apresentar testemunhas e fotos que comprovam a relação.
Nos últimos anos, houve um aumento no número de processos por laços socioafetivos no Brasil. A ação se refere ao reconhecimento dos laços de pai ou mãe com base no princípio da afetividade e dignidade da pessoa, sem que haja um laço sanguíneo. O filho reconhecido passa a contar com os mesmos direitos que um biológico, como direito à herança, pensão e guarda.
Em 2023, a procura pelo reconhecimento de paternidade socioafetivo estava entre as principais buscas por novas ações relacionadas a registros públicos. Apenas o estado de São Paulo registrou cem novas ações de reconhecimento de laços entre janeiro e abril de 2024. De 2022 para 2023, a soma de novos processos aumentou de 205 para 257 (25% a mais).
Neste ano, o Paraná foi o estado que mais registrou novos casos: 381. Também foi a unidade da Federação que ocupou o topo da lista em 2022 e 2023 com 830 e 886, respectivamente.
A maior variação percentual de 2022 para 2023 ocorreu em Mato Grosso do Sul: 2.213%, de 8 para 185 casos.
Para o advogado Luiz Vasconcelos Junior, advogado com atuação em direito da família no escritório VLV Advogados, o reconhecimento é uma forma de retirar uma espécie de manto da invisibilidade e discriminação que diversos filhos enfrentaram durante a vida.
Além de garantir direitos para crianças e adolescentes, é uma forma de preservar o bem-estar psicológico daquele jovem. Entre os episódios que o advogado diz ter presenciado estão escolas, que ao proporem atividade para presentear os genitores, incluem os nomes da filiação que constam da certidão.
“Mas, quando a criança chegava em casa, não era aquela pessoa que receberia o presente”, diz Vasconcelos Junior. O processo pode durar alguns anos e atrasos são comuns caso algum dos genitores biológicos não concorde com o pedido.
A reportagem conversou com um homem que vive em São Paulo e trava uma luta pelo reconhecimento da paternidade socioafetiva. Ele começou a se envolver com a mãe da criança quando ela estava com a gravidez avançada e, desde então, desempenhou o papel de pai.
O casal se separou no ano passado, quando a criança tinha pouco mais de 7 anos. Segundo ele, o processo não foi traumático, e o ex-casal combinou uma guarda compartilhada. Porém, após uma discussão, a ex-mulher o proibiu de ver o menino e, desde outubro do ano passado, ele tenta na Justiça o reconhecimento de paternidade afetiva.
O pai afirma que, apesar da dor da distância, não vai à casa da ex-mulher com medo de atrapalhar o processo. Antes da separação, ele não enxergava necessidade de formalizar a paternidade, uma vez que a mãe estava ciente do papel dele na vida da criança. Agora, aguarda uma decisão para seu caso, mas lamenta não ver o filho há oito meses.
No Brasil, a parentalidade socioafetiva pode ser feita de forma judicial ou extrajudicial –este segundo formato foi autorizado em 2023 e é realizado nos cartórios de registro civil.
No registro civil, contudo, há algumas restrições: não é permitido para casos que envolvem menores de 12 anos e não é possível registrar o nome de mais um pai ou mãe no campo filiação. Para isso, é necessário a via judicial.
Para o reconhecimento, o pai ou mãe devem ter ao menos 16 anos mais velho que o filho.
No caso de menores de idade, exige-se o consentimento dos pais biológicos. Durante o processo, é preciso a apresentação de documentos que comprovem o vínculo, mas, caso não sejam oferecidos, o registrador deve especificar como aconteceu o vínculo.
Para Ricardo Lucas Calderon, advogado e diretor nacional do Ibdfam (Instituto Brasileiro de Direito de Família), o aumento da busca pelo reconhecimento pode ser reflexo do início da pandemia de Covid-19, uma vez que em 2020 houve uma baixa procura por esse tipo de ação.
Também demonstra, a seu ver, uma sociedade com diferentes formas de famílias. “Cada vez mais, temos famílias recompostas e há uma crescente nas rupturas de casamentos, que também duram menos tempo”, diz ele. “Após as separações, é comum que famílias se reconstruam e é comum que os novos parceiros passem a fazer parte deste vínculo, o que pode justificar também esse aumento de ações.”
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