Mandioca realizou façanha evolutiva ao ser domesticada

  Acontece que as variedades que existem mundo afora são, ao mesmo tempo, muito parecidas entre si e capazes de carregar bastante variabilidade genética -o suficiente para que elas continuem ajudando a alimentar cerca de 1 bilhão de pessoas todos os dias sem grandes riscos de desaparecer por causa de pragas [[{“value”:”

(FOLHAPRESS) – Um dos maiores estudos já feitos sobre a diversidade genética da mandioca revela que, ao ser domesticada, a planta realizou uma façanha evolutiva que parece um imenso paradoxo.

 

Acontece que as variedades que existem mundo afora são, ao mesmo tempo, muito parecidas entre si e capazes de carregar bastante variabilidade genética -o suficiente para que elas continuem ajudando a alimentar cerca de 1 bilhão de pessoas todos os dias sem grandes riscos de desaparecer por causa de pragas.

As conclusões vêm da análise de quase 600 genomas (o conjunto do DNA de um indivíduo) da espécie, boa parte dos quais obtidos de exemplares do Brasil. O país, em especial nas áreas do sudoeste amazônico, como a atual Rondônia, provavelmente é o local de origem da mandioca domesticada -é possível que o cultivo por aqui tenha começado há quase 10 mil anos.

O trabalho foi publicado no último 7 no periódico especializado Science.

A nova pesquisa, que tem entre seus coordenadores o brasileiro Fabio de Oliveira Freitas, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, levou em conta também o DNA de plantas que viveram antes da chegada dos europeus, como uma mandioca de mais de 600 anos encontrada na região do Peruaçu, em Minas Gerais, e outra com cerca de 2.000 anos achada em Arica, no Chile. E o grupo ainda analisou variedades e práticas de cultivo do povo waurá, indígenas do Xingu que mantêm boa parte do conhecimento ancestral sobre o manejo da mandioca.

O padrão de variabilidade genética altamente incomum identificado pelos pesquisadores na mandioca se deve, em grande parte, à maneira como ela quase sempre é propagada por agricultores no mundo todo. Acontece que as plantas cultivadas quase sempre são clones de outras.

É que, em vez de usar sementes, surgidas do cruzamento entre plantas diferentes, a prática bem mais comum é enterrar ramas (pedaços cortados do caule), a partir das quais nascem novas plantas.

“Isso não significa que elas não cruzem e produzam sementes, mas o produtor quase nunca vai plantar essas sementes porque elas ficam um ano sem produzir as raízes tuberosas [a parte rica em carboidrato que as pessoas consomem]”, explicou Freitas à Folha.

Por causa da facilidade de transporte e troca das ramas de uma comunidade para outra, a propagação da planta por esse método se espalhou por boa parte do continente americano antes da invasão europeia e, com o início da colonização, alcançou muitas outras regiões do mundo, em especial na África.

O processo parece ter sido tão bem-sucedido que a planta praticamente não carrega uma característica que é típica de quase todas as espécies, inclusive as domesticadas: a chamada estrutura populacional geográfica. O termo é complicado, mas significa simplesmente que, em geral, as subpopulações de uma espécie muito espalhada tendem a desenvolver suas próprias características em cada região.

Ou seja, os membros de uma espécie no Sudeste tendem a ser mais parecidos entre si geneticamente do que com os membros da mesma espécie no Nordeste, digamos. No caso da mandioca, isso quase não se vê -as variedades da planta no Pará e no Peru, digamos, não são muito diferentes entre si.

Ao mesmo tempo, porém, os indivíduos costumam manter um grau relativamente elevado da chamada heterozigosidade em seu genoma. Isso significa que, em geral, cada exemplar de mandioca carrega duas variantes diferentes para cada região de seu DNA (são duas variantes porque a espécie se reproduzia naturalmente por meio do sexo, recebendo uma cópia de seu DNA da “mandioca-mãe” e a outra da “mandioca-pai”, tal como no caso dos seres humanos).

Para Freitas e seus colegas, essa característica, que ajuda o indivíduo a ser versátil o suficiente para enfrentar desafios como novos ambientes e pragas, provavelmente foi mantida por meio da seleção das plantas que iam ceder suas ramas para o replantio.

“Isso é uma coisa que a gente vê com os indígenas por exemplo: na hora de escolher a rama, eles prestam muita atenção nas plantas que são mais robustas, que têm as melhores folhas. A gente acredita que isso deve ter ajudado a manter essa variabilidade”, conta ele.

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