Mentira sobre haitianos comendo pets frustra tentativa de Trump de desviar de raça de Kamala
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FILADÉLFIA, EUA (FOLHAPRESS) – Donald Trump cumpriu o que parecia ser mais difícil no debate, evitando, como implorava sua campanha, ataques pessoais a Kamala Harris envolvendo seu gênero e raça, mas colocou tudo a perder ao repetir a mentira de que imigrantes haitianos estariam comendo animais de estimação de moradores de uma cidade de Ohio.
Essa é a avaliação de Dan Cassino, diretor do instituto de pesquisas da Universidade Fairleigh Dickinson, que tem feito levantamentos sobre gênero e raça na corrida eleitoral.
“Tenho certeza de que Trump foi aconselhado a não mencionar a questão racial e, como não poderia recuar de seus comentários anteriores, sua resposta dizendo-se confuso foi provavelmente sua melhor saída”, afirma Cassino à Folha, em referência às declarações do republicano de que Kamala teria “virado negra” por oportunismo.
“Embora Trump tenha conseguido navegar a questão racial com sucesso em algumas perguntas, a mentira racista sobre os imigrantes haitianos é tão flagrante que ofusca qualquer outra coisa que ele tenha feito em relação à raça”, completa o cientista político.
A menção do republicano à história falsa e de fundo racista e xenofóbico que vinha circulando na bolha da direita americana nos últimos dias tornou-se rapidamente um marco do debate, para azar de Trump.
“Em Springfield, eles estão comendo os cachorros. As pessoas que chegaram. Eles estão comendo os gatos. Estão comendo os animais de estimação das pessoas que vivem lá. E é isso que está acontecendo em nosso país”, disse o republicano na noite de terça, apesar de tanto a polícia quanto a administração da cidade em Ohio terem afirmado que não receberam nenhum relato do tipo.
Foi o suficiente para inspirar uma torrente de memes nas redes sociais, envolvendo vídeos de gatinhos no meio de pães de hambúrguer a uma foto de Robert F. Kennedy Jr., ex-candidato independente envolvido em sua própria história estranha sobre comer cachorros, acompanhada da frase: “Eu estava procurando um lugar para comer em Springfield…”.
Segundo Cassino, falar de gênero e raça em um contexto eleitoral é algo que pode funcionar desde que fique limitado às entrelinhas do discurso. Quando a mensagem se torna explícita, seu efeito preponderante é afastar eleitores –razão pela qual a própria Kamala tem evitado destacar sua raça e gênero abertamente, diz ele.
O especialista, porém, é cauteloso quanto ao impacto que o debate em si terá na decisão dos eleitores. Em sua visão, o embate não importa tanto porque os espectadores são basicamente os apoiadores de um lado ou de outro –pessoas que já definiram há muito tempo em quem vão votar.
“O que importa é a cobertura da mídia sobre o debate nos dias e semanas seguintes, especialmente os clipes de dez segundos que alcançam eleitores que, de outra forma, não estão prestando atenção”, afirma.
“O fato de que Trump é percebido como tendo perdido o debate não importa tanto quanto o fato de que milhões de eleitores vão vê-lo repetindo uma mentira racista de que imigrantes estão roubando e comendo gatos, ou admitindo que ele não tem um plano para o campo da saúde”, completa, em referência a outro deslize do republicano -questionado sobre suas propostas, ele disse ter “ideias de um plano”.
O cientista político Christopher Wlezien, professor da Universidade do Texas em Austin, vai na mesma linha. Ele avalia que o principal efeito do debate será o de convencer os indecisos que já vinham simpatizando com Kamala a firmar seu voto na democrata.
“Mas eu não espero um grande impacto agregado nas pesquisas. Talvez mais ou menos 1 ponto percentual. Isso pode ser crítico no dia da eleição, se acontecer e se durar”, diz à Folha, destacando as ressalvas.
O resultado de uma pesquisa qualitativa feita pela agência de notícias Reuters com dez eleitores indecisos após o debate ilustra o ponto de Cassino e Wlezien. Apesar de reconhecerem que Kamala teve um desempenho melhor, seis deles afirmam que pretendem votar, ou ao menos tendem a votar, em Trump. Apenas três afirmaram o mesmo sobre a democrata, enquanto um permaneceu indeciso.
A principal razão para a insatisfação com a vice-presidente foi a percepção de que suas respostas foram vagas em relação aos seus planos econômicos, e não se convenceram de que ela vá fazer algo diferente de Joe Biden, extremamente mal avaliado na área em razão da disparada de preços durante seu mandato.
Economia é a preocupação número 1 de eleitores, e Trump tem a vantagem de ser visto como mais competente para lidar com o tema porque boa parte dos americanos tem a memória de sua situação financeira ser melhor durante a gestão do ex-presidente.
“Kamala não poderia ter se saído melhor do que fez na noite passada. Isso não quer dizer que ela apresentou aos americanos um argumento claro e convincente sobre por que deveria ser confiada a Presidência”, escreveu o analista Henry Olsen, especialista no Partido Republicano.
“Se as pesquisas não mostrarem um pequeno, mas consistente aumento no apoio a ela nos próximos dez dias, é difícil ver o que ela pode fazer para reverter essa tendência. Se mostrarem essa melhora, e se ela voltar a ser a favorita por uma pequena margem, isso colocará pressão sobre Trump para recuperar o impulso”, completa.
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