Mulher que pichou estátua no 8/1 disse que foi levada pelo ‘calor do momento’
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BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que ficou conhecida por pichar a estátua localizada em frente à sede do STF (Supremo Tribunal Federal) durante os ataques de 8 de janeiro de 2023, disse em depoimento que não invadiu nenhum prédio na ocasião e que “o calor da situação” fez com que agisse sem pleno domínio de suas faculdades mentais.
Por isso, pediu perdão pelo episódio que a levou à prisão e disse que nunca mais o repetirá.
A fala de Débora, 39, aconteceu em novembro passado, durante audiência de instrução cuja gravação foi juntada aos autos nesta quarta-feira (26), quando foi retirado o sigilo sobre o processo pelo ministro Alexandre de Moraes.
Na audiência, Débora afirmou que um homem que ela não conhecia já havia começado a pichação da frase “perdeu, mané” na estátua chamada “A Justiça” e pediu sua ajuda. Segundo ela, o homem já havia pensado na frase e já havia feito a letra ‘p’ quando pediu que ela continuasse.
“Quando me deparei lá em Brasília com o movimento, eu não fazia ideia do bem [valor] financeiro e simbólico da estátua. Quando eu estava lá já tinha uma pessoa fazendo a pichação. Faltou talvez um pouco de malícia da minha parte, porque ele começou a escrita e falou assim: ‘Eu tenho a letra muito feia, moça, você pode me ajudar a escrever?’. E aí eu continuei fazendo a escrita da frase dita pelo ministro [Luís Roberto] Barroso”, disse, perguntada por Rafael Henrique Tamai Rocha, juiz auxiliar do gabinete de Moraes.
Na audiência, Débora o descreveu como um homem branco, alto, com a bandeira do Brasil pendurada no pescoço, mas não conseguiu reconhecê-lo em fotos que foram exibidas.
A cabeleireira, presa desde 17 de março de 2023, afirma que não entrou em nenhum dos prédios em 8 de janeiro e que sua presença se restringiu à praça dos Três Poderes, da qual saiu assim que chegaram os policiais que tinham o objetivo de retirar os invasores, antes ainda da formação do cerco.
Ela ainda afirmou que “o calor do momento” fez com que ela agisse diferentemente da pessoa que acredita ser.
“Lembro que uma semana antes meu filho fez uma pergunta coincidentemente sobre escrita em muro e eu falei ‘isso é ilegal, isso não se faz, porque é uma poluição visual’, e eu fiz todo um texto para ele sobre isso, e eu não sei o que aconteceu comigo naquele dado momento, pelo calor da situação, de cometer esse ato [a pichação]. Eu me arrependo muito, muitíssimo, e eu jamais faria isso em sã consciência. O calor do momento alterou minhas faculdades mentais”, disse.
Em sua reconstituição, Débora afirmou que entrou em pânico com as vidraças quebradas e que saiu da praça dos Três Poderes por temor de se machucar e de que outras pessoas se ferissem. Ela então disse ter voltado ao acampamento que ficava em frente ao quartel-general do Exército, no qual estava desde sábado (7), quando chegou de Campinas (SP).
A cabeleireira era moradora de Paulínia (117 km da capital de São Paulo) e disse que pagou R$ 50 em passagens de ônibus para Brasília.
Na conclusão da audiência, Débora pediu perdão por atentar contra o Estado democrático de Direito, disse que ficar presa fez com que enxergasse que “o país depende de hierarquias que precisam ser respeitadas” e afirmou que nunca mais se envolverá em manifestações políticas, pois pegou “um pouco de repulsa”.
“Isso me deixou traumatizada porque não me representa, não é o que eu sou. Sou uma pessoa totalmente disciplinada, que sempre seguiu a lei rigorosamente. Nas minhas contas pessoais, no meu convívio social, nunca infringi uma lei”, disse.
A cabeleireira disse que desenvolveu crise de ansiedade na prisão, mas que é bem tratada no sistema prisional e não tem queixas. Ela contou ainda que os filhos, menores de idade, têm tido comportamentos atípicos: o mais novo está mais fechado e o mais velho está agressivo e passou a sofrer bullying. Ambos recebem tratamento psicológico.
A Polícia Federal pediu a detenção de Débora em março de 2023 por entender que a cabeleireira solta poderia “encobrir os ilícitos e alterar a verdade sobre os fatos, sobretudo mediante coação a testemunhas e outros agentes envolvidos e ocultação de dados e documentos”.
Débora foi denunciada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, em maio de 2024. A PGR (Procuradoria-Geral da República) diz que a acusada “participou de atos de estrago e destruição de bens especialmente protegidos por ato administrativo”.
Ela é acusada de cometer crimes contra o Estado democrático de Direito e golpe de Estado sob a justificativa de ter atuado de forma multitudinária -um conceito do direito penal que se refere a crimes cometidos por multidão em tumulto.
A PGR entende que, nesse tipo de crime, cada pessoa que atuou no ataque às sedes dos Poderes tinha o mesmo objetivo: forçar as Forças Armadas a darem um golpe de Estado contra a gestão de Lula (PT) na Presidência da República.
Seguindo essa tese, Gonet pede a condenação de Débora não pelo fato de ter escrito na estátua “A Justiça” a frase “perdeu, mané”. Para a PGR, a sentença se daria porque a mulher participou do ataque aos Poderes e incentivou uma ruptura democrática.
A Primeira Turma do Supremo começou na sexta-feira (21) o julgamento de Débora. O ministro-relator Alexandre de Moraes votou pela condenação a 14 anos de prisão, e Flávio Dino acompanhou o colega.
O ministro Luiz Fux, porém, pediu vista (mais tempo para estudar o caso) na segunda-feira (24). Durante o julgamento da trama golpista nesta quarta (26), Fux anunciou que vai sugerir uma revisão da pena.
“O ministro Alexandre, em seu trabalho, explicitou a conduta de cada uma das pessoas. E eu confesso que em determinadas ocasiões eu me deparo com uma pena exacerbada. E foi por essa razão, dando satisfação à Vossa Excelência, que eu pedi vista desse caso. Eu quero analisar o contexto em que essa senhora se encontrava”, disse
Para o ministro, a legislação define uma dosimetria muito grande para os crimes contra a democracia. Mas ele defende que “a fixação da pena é [responsabilidade] do magistrado”. “Debaixo da toga bate o coração de um homem, então é preciso que nós também tenhamos essa capacidade de refletir”, completou.
Débora acabou se tornando um símbolo do bolsonarismo na defesa pela aprovação do projeto de lei que concede anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro.
“Por causa de um batom, de uma frase repetida por um ministro, ela está sendo condenada a 14 anos. Aqui acreditamos, que podemos reverter [as condenações] na Justiça, porque o que parece ser é que há um movimento político e não jurídico em torno das acusações”, disse o deputado Luciano Zucco (PL-RS), líder da oposição na Câmara, após o julgamento da trama golpista no Supremo.
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