Senado da Itália aprova texto que restringe cidadania por direito de sangue
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(FOLHAPRESS) – O Senado italiano aprovou nesta quinta-feira (15), com 81 votos a favor e 37 contra, o decreto-lei do governo Giorgia Meloni que limita o acesso à cidadania italiana para descendentes nascidos no exterior. O texto ainda precisa ser aprovado até o próximo dia 27 pela Câmara, onde o governo também conta com maioria de votos.
Em vigor desde o fim de março, o decreto restringe a duas gerações a transmissão e o reconhecimento da cidadania por direito de sangue para quem nasce fora da Itália. A medida, tratada como urgente pelo governo, significa uma mudança na Lei da Cidadania, de 1992, que não estipulava limite de gerações.
Nas últimas semanas, o texto esteve em tramitação na comissão de Assuntos Constitucionais, onde os senadores puderam apresentar emendas. O relator foi Marco Lisei, do Irmãos da Itália, de ultradireita, mesmo partido da primeira-ministra Meloni. O texto final foi aprovado na quarta (14) e enviado ao plenário.
Com dois artigos, o decreto passou pelo Senado sem grandes mudanças em seu teor. A principal alteração, incluída na comissão, foi a substituição do termo “nascido na Itália”, em referência aos ascendentes, pelo trecho “possui ou possuía no momento da morte exclusivamente a cidadania italiana”.
Ou seja, pela nova regra, uma pessoa nascida fora do país europeu só será considerada italiana se ao menos um genitor ou um avô (ou avó) tiver somente a cidadania italiana. Ao mesmo tempo em que remove a necessidade de o parente ter nascido na Itália, pode restringir ainda mais o acesso, ao excluir aqueles que têm ou tiveram dupla cidadania, como a brasileira, além da italiana.
Além desse caso, pode ser considerada italiana uma pessoa cujo genitor tenha morado na Itália por ao menos dois anos sem interrupção após a aquisição da cidadania e antes do nascimento do filho.
As regras valem para pedidos de cidadania apresentados após o anúncio do decreto, em 28 de março.
“Não queremos dificultar a obtenção da cidadania italiana, queremos só tornar isso uma coisa justa. A cidadania é um assunto sério que não pode ser deixado à mercê de agências inescrupulosas”, disse, no plenário, na quarta (14), o senador Costanzo della Porta, do Irmãos da Itália. A referência é às agências que oferecem serviços para a obtenção da cidadania, como a localização de documentos familiares e a entrada com processo na Justiça italiana.
A medida foi criticada pela oposição, que questionou especialmente o uso, da parte do governo, do mecanismo do decreto para mudar a lei de 1992, em vez de utilizar o procedimento padrão, com apresentação de projeto de lei, que tem tramitação mais lenta e mais discussão entre os parlamentares.
“O governo não está se dando conta de que está quebrando a corrente de transmissão da cidadania e, no arco de uma geração, não haverá mais cidadãos italianos no mundo por descendência”, afirmou o senador Francesco Giacobbe, do Partido Democrático.
Segundo ele, a nova regra introduz critérios discriminatórios e retroativos que violam princípios constitucionais. O risco, diz, é o que a medida leve a uma “cascata de recursos e contestações, alimentando um caos burocrático sem precedentes”.
A medida impacta diretamente descendentes de italianos que moram no Brasil e na Argentina, países que receberam milhões de emigrados a partir do fim do século 19. Só no Brasil, um contingente de 1,4 milhão chegou de 1870 a 1920. Estima-se que hoje existam 30 milhões de descendentes no país, além de mais de 800 mil cidadãos italianos (expatriados ou com dupla cidadania).
Em 2023, foram reconhecidas ao menos 61,3 mil cidadanias italianas por direito de sangue a descendentes. Com quase 42 mil, os brasileiros representaram 68,5% dos casos -os maiores beneficiados. Os casos se referem aos processos por via judicial e administrativa (prefeituras italianas), sem contabilizar os consulados.
Ao anunciar a medida no fim de março, o vice-premiê Antonio Tajani, do partido Força Itália, de centro-direita, justificou a decisão com base na reclamação, crescente nos últimos anos, de tribunais de Justiça e prefeituras italianas, principalmente de pequenos municípios, que se dizem sobrecarregados pelo volume de pedidos, especialmente aqueles apresentados por via judicial, em que o autor não precisa morar na Itália.
Outra razão, afirmou o ministro, é que os interessados no reconhecimento da cidadania não teriam interesse em residir no país, mas somente circular com mais facilidade pela União Europeia e entrar nos Estados Unidos sem visto. “Ser cidadão italiano é um assunto sério, não é uma brincadeira para ter no bolso o passaporte [italiano] para fazer compras em Miami”, disse Tajani.
Além do direito de sangue, pela legislação de 1992, é possível se tornar cidadão italiano por tempo de residência no país -adultos de fora da União Europeia podem fazer o pedido após dez anos morando legalmente na Itália-, e por casamento. Genitores residentes no país que tenham obtido a cidadania podem transmiti-la aos filhos menores de 18 anos. Jovens nascidos na Itália de genitores estrangeiros -e residentes sem interrupção no país- também podem se tornar italianos quando completam 18 anos.
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