Sob ameaça de cortes, Harvard diz que não cumprirá exigências do governo Trump

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CAMBRIDGE, EUA (FOLHAPRESS) – A Universidade Harvard, uma das mais prestigiosas dos Estados Unidos, tem se recusado a ceder às investidas de Donald Trump para adequar linhas de pesquisa a um discurso determinado pelo governo, sob pena de perder financiamento.

 

Nesta segunda-feira (14), a universidade rejeitou demandas do governo Trump para manter o financiamento à instituição. Trata-se da primeira universidade de elite no país a rechaçar a ofensiva do republicano.

“A universidade não renunciará a sua independência nem abrirá mão de seus direitos constitucionais. As demandas do governo vão além do poder da gestão federal”, afirmou o reitor da universidade, Alan Garber.

Segundo Garber, Trump propôs “controlar a comunidade de Harvard”, ao exigir requisitos com o objetivo de fiscalizar os pontos de vista do corpo discente e docente, e para “reduzir o poder” de estudantes, professores e gestores “visados por causa de suas visões ideológicas”.

A proteção assegurada pela instituição, porém, não é suficiente para poupar os alunos estrangeiros da universidade de ações recentes da gestão republicana que miram estudantes.

Ainda assim, as ações e o clima de perseguição posto em prática pela gestão Trump já afeta os corredores. A Folha conversou com alunos brasileiros da universidade nos últimos dias -todos com status migratório regular nos EUA. Os relatos são de receio de ter o visto revogado, a despeito da postura de Harvard.

Os estudantes não querem se expor e por isso evitam críticas públicas às demandas de Trump. A conduta tem sido a mesma de integrantes de outras instituições, como a Folha mostrou: ficar atento às redes sociais, apagar posts que podem ser considerados polêmicos e adotar discrição.

O escritório internacional de Harvard relatou que três alunos de graduação da universidade tiveram seus vistos revogados. Por questões de privacidade, a faculdade não divulgou quem são, mas as encaminhou para assistência legal.

“Não estamos cientes dos detalhes das revogações ou das razões para elas, mas entendemos que números comparáveis de estudantes e acadêmicos em instituições por todo o país experimentaram mudanças de status semelhantes em aproximadamente o mesmo período de tempo”, escreveu a universidade em comunicado.

Na mesma nota, o escritório afirma que valoriza profundamente os estudantes e acadêmicos que lá atuam. Diz que eles agregam com talento e criam relações positivas e discursos que “expandem os horizontes das pessoas em toda a nossa comunidade”. “Estamos comprometidos em continuar a apoiá-los”, afirma o texto.

Estudantes que participaram no último final de semana da Brazil Conference, evento organizado pela comunidade brasileira de Harvard e do MIT, não souberam dizer se há brasileiros entre aqueles com vistos revogados. Mas citaram exemplos de dificuldade para conseguir visto de pesquisadores para viajar aos EUA como um fator que assusta.

Uma pesquisadora que foi convidada a participar da conferência e que, portanto, teve o visto patrocinado por um convite de Harvard e pago pelo evento, foi recusada duas vezes antes de conseguir autorização para viajar. Um dos participantes disse que a pessoa precisou ir a consulados de estados diferentes para conseguir a aprovação.

Outro caso mencionado é o do pesquisador brasileiro Rodrigo Nogueira, fundador da Maritaca AI. O pesquisador foi convidado a participar de um evento no MIT que começa semana que vem e discutirá o desenvolvimento de inteligência artificial no Brasil, mas não obteve autorização.

À Folha no mês passado, Nogueira afirmou que passou pela entrevista para renovação do visto no dia 27 de fevereiro no consulado dos EUA em São Paulo e obteve a aprovação. No entanto, no dia seguinte, foi informado de que seu visto estava temporariamente bloqueado para análise pelas autoridades americanas.

Harvard tem promovido diversas reuniões para instruir os alunos sobre suas prerrogativas, em sessões conhecidas como “saiba seus direitos”. Ainda colocou à disposição dos alunos e pesquisadores internacionais a Iniciativa de Representação de Harvard (HRI), uma clínica jurídica que oferece serviços gratuitos.

A universidade está localizada no estado de Massachusetts, que tem alto número de imigrantes, entre eles muitos brasileiros, e adota uma postura de cooperação com os estrangeiros. Cambridge, cidade onde fica a instituição, e sua vizinha, Boston, são consideradas cidades-santuário (municipalidades que adotam políticas mais favoráveis a migrantes).

Nesta segunda, o presidente de Harvard escreveu uma carta na qual explica a decisão de não ceder às investidas de Trump. “Nas últimas semanas, o governo federal ameaçou suas parcerias com várias universidades, incluindo Harvard, devido a acusações de antissemitismo em nossos campi. Essas parcerias estão entre as mais produtivas e benéficas da história americana”, escreveu Garber.

“Fica claro que a intenção não é trabalhar conosco para abordar o antissemitismo de maneira cooperativa e construtiva. Embora algumas das exigências delineadas pelo governo visem combater o antissemitismo, a maioria representa uma regulamentação governamental direta das ‘condições intelectuais’ em Harvard.”

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