Testemunhas relatam caos, massacre e fila para fugir da Síria

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(FOLHAPRESS) – Uma explosão de violência durante cinco dias jogou as duas províncias da costa síria em um caos sombrio que lembrou os piores dias da guerra civil no país árabe, iniciada em 2011 e encerrada em 8 de dezembro passado, com a fuga do ditador Bashar al-Assad para Moscou.

 

A reportagem recolheu alguns testemunhos de habitantes de Latakia, área que com Tartus concentra a população da seita alauita no país, que foram enviados a familiares no exterior. Eles os repassaram a redes de jornalistas.

A reportagem também falou com um militar russo na principal base de Vladimir Putin na região, que virou ponto de peregrinação dos alauitas, integrantes do mesmo ramo do islamismo que a família Assad, que do grupo retirou a elite de seu brutal regime de quase 54 anos.

“Nem todo alauita apoiava o Assad. Vi coisas horríveis. Temos medo de morrer”, escreveu o engenheiro Ahmed Alawi. Ele contou à sua família que forças do novo governo em Damasco mataram sua tia, de 75 anos, e prenderam suas primas na cidade costeira de Jableh. Ninguém sabe dizer onde elas estão, segundo ele.

A operação militar foi determinada pelo novo homem-forte do país, o presidente interino Ahmed al-Sharaa, que integra um grupo oriundo da rede terrorista Al Qaeda e em 2015 pregava ou conversão forçada de alauitas ao sunismo ou a morte.

Hoje ele busca se apresentar como um moderado ao Ocidente e à Turquia, que bancou sua ofensiva surpreendente contra Assad, aproveitando o foco russo na Ucrânia e do Irã, outro patrono da ditadura, no conflito com Israel.

A repressão militar decorreu de ataques por partidários de Assad a pontos de checagem do governo, segundo a versão de Damasco. Líderes alauitas negam isso. Fato é que as coisas saíram do controle, com indícios fortes de massacres sectários.

Foi o que aconteceu segundo o relato de Makhlouf, comerciante em Latakia. Ele disse ter visto policiais entrando em casas na sua vizinhança, atirando nos moradores a esmo. Mas há nuances no banho de sangue.

Outro comerciante, identificado como Hassan, disse que em Banias a ação foi comandada por um grupo desconhecido, com estrangeiros. Nessa relato, a suspeita recai em algum acerto de conta em meio à confusão. Subsiste o temor de novas crises.

Segundo a ONG Observatório Sírio dos Direitos Humanos, 973 civis e 481 combatentes de ambos os lados morreram de quinta (6) a segunda (10), quando Sharaa anunciou o fim da açãoe a criação de uma comissão para apurar as responsabilidades.

A região de Latakia, berço do poder de Assad e que antes da guerra era 60% alauita, já vivia sob tensão devido às ações dos partidários do ditador derrubado. Em todo o país, a minoria soma cerca de 15% dos talvez 25 milhões de sírios.

Agora, um ponto focal é a base aérea de Hmeimim, em Latakia, cedida a Putin na operação que ajudou a salvar Assad em 2015. Ela se somou ao porto de Tartus, concedido a Moscou em 1971, como centros vitais não só do apoio à ditadura, mas de projeção de poder no Mediterrâneo.

Com Sharaa, a Rússia negocia uma forma de ficar por lá e tem feito gestos aos rebeldes que tomaram Damasco, como imprimir e doar US$ 23 milhões em libras sírias para ajudar a monetizar a economia em ruínas. Nesta terça (11), o Kremlin disse desejar uma Síria “unida e amigável”.

No momento, contudo, só há incerteza. O militar russo ouvido, que será identificado apenas como Pavel, disse por mensagem de texto que há uma concentração de moradores da região já dentro da base ou tentando entrar, supondo proteção ou caminho de fuga.

Imagens de satélite divulgadas na segunda mostram que há diversos acampados num perímetro formado por veículos militares russos na pista.

A chance de fuga existe, ele conta, num mercado clandestino formado com a queda de Assad. Antigos oficiais do regime negociam o preço para cada pessoa que quer deixar o país, começando por US$ 5.000 (pouco mais de R$ 29 mil). Isso tem afetado não só os locais: segundo Pavel, russos têm de pagar taxas para deixar a Síria.

O militar não quis explicar isso, mas seu relato e a imagem dos sírios na pista fazem supor que parte do esquema passa pelos russos. Ele disse haver uma fila de 1.500 pessoas esperando para sair por Hmeimim-presumivelmente em aviões russos ou de antigos figurões da ditadura.

Os intermediários, diz, “são velhos conhecidos” -coronéis e até generais que mantinham uma rede de apoio de suprimentos aos aliados russos, vendendo de cartões de telefone a televisões para os militares lotados em Hmeimim.

Enquanto isso, o clima permanece tenso entre os russos remanescentes, de número incerto mas que já foram 5.000 na base. Segundo Pavel, drones sobrevoam o local com frequência, agora que parte da defesa antiaérea foi removida.

Por fim, há o temor na comunidade internacional de uma fragmentação ainda maior no país, que já está com sua região junto à fronteira com Israel ocupada por tropas do Estado judeu e o status dos curdos no norte pressionado pela deposição de armas do Partido dos Trabalhadores do Curdistão na Turquia.

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